fbpx

A Arte de Viver: Meditação Vipassana

Fotografia cortesia de Beliefnet Inc.

Está página é dedicada ao Sr. Goenka

Todos buscam paz e harmonia, porque isto é o que falta em nossas vidas. De quando em quando todos nós experimentamos agitação, irritação, desarmonia. E, quando somos atormentados por esses sofrimentos, não os restringimos a nós mesmos; freqüentemente os distribuímos aos outros também. A infelicidade permeia a atmosfera que circunda a pessoa que sofre e todos que entram em contato com ela também são afetados. Certamente, esse não é um modo apropriado de viver.

Devemos viver em paz com nós mesmos e em paz com os outros. Afinal, seres humanos são seres sociais, têm de viver em sociedade e lidar uns com os outros. Mas como podemos viver pacificamente? Como mantermo-nos em harmonia interior e mantermos a paz e a harmonia ao nosso redor, de forma que também os outros possam viver pacífica e harmoniosamente?

Para livrarmo-nos de nosso sofrimento, temos de saber a razão básica para sua existência, a causa do sofrimento. Se investigarmos o problema, torna-se claro que sempre que começamos a gerar qualquer negatividade ou impureza na mente, certamente nos tornaremos infelizes. Uma negatividade na mente, uma impureza mental não pode coexistir com a paz e a harmonia.

Como geramos negatividades? De novo, através da investigação, torna-se claro. Ficamos infelizes quando achamos que alguém age de uma maneira que não gostamos ou quando não gostamos de alguma coisa que acontece. Coisas que não desejamos acontecem e criamos tensão interior. Coisas que queremos não acontecem, alguns obstáculos aparecem no caminho, e novamente criamos tensão interior; começamos a atar “nós” internos. E, pela vida afora, coisas indesejadas continuam a acontecer e as desejadas podem ou não acontecer, e este processo de reação, de atar nós — nós górdios — faz toda a estrutura física e mental tão tensas, tão cheias de negatividade, que a vida torna-se um sofrimento.

Uma forma de resolver este problema é dar um jeito para que nada de desagradável aconteça na vida e que tudo aconteça exatamente como queremos. Temos de desenvolver o poder de fazer com que tudo que desejamos aconteça e o que não desejamos não aconteça, ou ter alguém com tal poder que nos ajude sempre que solicitarmos. Mas isso é impossível. Não há ninguém no mundo cujos desejos sejam sempre satisfeitos, em cuja vida tudo ocorre de acordo com sua vontade, sem nada indesejável acontecer. Fatos contrários à nossa vontade e ao nosso desejo constantemente ocorrem. Portanto, surge uma pergunta: como podemos parar de reagir cegamente às coisas de que não gostamos? Como podemos parar de gerar tensões e permanecer pacíficos e harmônicos?

Na Índia, assim como em outros países, pessoas sábias e santas estudaram esse problema — o problema do sofrimento humano — e encontraram uma solução: se algo indesejável ocorre e você começa a reagir gerando raiva, medo ou qualquer outra negatividade, então, você deve desviar sua atenção o mais rapidamente possível para uma outra coisa qualquer. Por exemplo, levante-se, pegue um copo d’água, comece a bebê-la e sua raiva não se multiplicará; pelo contrário, começará a diminuir. Ou comece a contar: um, dois, três, quatro. Ou comece a repetir uma palavra, ou uma frase, ou algum mantra: talvez o nome de um santo ou divindade na qual você tenha devoção. A mente se distrairá e, até certo ponto, você estará livre da negatividade, livre da raiva.

Essa solução foi útil, deu certo. Ainda dá. Praticando isso, a mente sente-se livre da agitação. Entretanto, essa solução atua apenas no nível consciente. Na verdade, ao desviar a atenção, você empurra a negatividade profundamente para o inconsciente e, nesse nível, continua a gerar e multiplicar a mesma impureza. Na superfície há uma camada de paz e harmonia, mas nas profundezas da mente jaz um vulcão adormecido de negatividade reprimida que, mais cedo ou mais tarde, explodirá em violenta erupção.

Outros exploradores da verdade interior foram ainda mais longe em sua busca e, experimentando a realidade da mente e da matéria neles mesmos, concluíram que desviar a atenção é apenas fugir do problema. Fugir não é a solução; você tem de enfrentar o problema. Toda vez que a negatividade surgir na mente, simplesmente observe-a, enfrente-a. Assim que começar a observar uma impureza mental, ela começará a perder sua força e lentamente ela murcha e desaparece.

Uma boa solução: evitar os dois extremos da repressão e da livre manifestação. Enterrar a negatividade no inconsciente não a erradicará; e permitir sua manifestação com ações verbais ou físicas prejudiciais apenas criará mais problemas. Mas se você apenas observar, então, a impureza desaparecerá e você estará livre dela.

Isso parece maravilhoso, mas será realmente praticável? Não é fácil encarar suas próprias impurezas. Quando a raiva surge, apodera-se de nós tão rapidamente que nem mesmo percebemos. Então, dominados por ela, falamos ou fazemos coisas que prejudicam aos outros e a nós mesmos. Mais tarde, quando ela passa, começamos a chorar e nos arrependemos, pedindo perdão aos outros e a Deus: “Oh, cometi um erro, por favor, me desculpe!”. Mas da próxima vez em que nos encontrarmos numa situação semelhante, reagimos da mesma forma. Esse tipo de arrependimento não ajuda em nada.

A dificuldade é que não temos consciência quando uma impureza surge. Ela surge profundamente na mente inconsciente e, quando chega ao nível consciente, já ganhou tanta força que toma conta de nós sem que possamos observá-la.

Vamos supor que eu contrate um secretário particular e toda vez que a raiva surja ele diga: “olhe, a raiva está começando!”. Como não sei a que horas ela começa, terei de contratar três secretários para os três turnos: manhã, tarde e noite! Suponhamos que possa arcar com isso e que a raiva comece. Assim que meu secretário me avise, “oh, veja — a raiva começou!” a primeira coisa que farei é repreendê-lo: “Seu tolo, acha que é pago para me ensinar?” Estou tão dominado pela raiva que bom conselho não adianta

Suponhamos que o discernimento prevaleça e eu não o repreenda. Em vez disso, digo: “Muito obrigado. Agora preciso me sentar e observar minha raiva.” Será que é possível? Ao fechar os olhos e tentar observar a raiva, o objeto da minha raiva imediatamente surge em minha mente — a pessoa ou o fato que a iniciou. Logo, não estarei observando a raiva pura, mas meramente o estímulo externo dessa emoção. Isso servirá apenas para multiplicar a raiva; e, portanto, não é a solução. É muito difícil observar qualquer negatividade abstrata ou emoção abstrata divorciada do objeto externo que originariamente foi responsável pelo seu surgimento.

Entretanto, alguém que atingiu a verdade última encontrou uma solução real. Descobriu que sempre que uma impureza surge na mente, duas coisas começam a acontecer simultaneamente no nível físico. Uma é que a respiração perde o seu ritmo normal. Começamos a respirar mais forte, sempre que a negatividade surge na mente. Isso é fácil de se observar. Num nível mais sutil, uma reação bioquímica começa no corpo, resultando numa sensação. Toda impureza irá gerar alguma sensação no corpo.

Isso oferece uma solução prática. Uma pessoa comum não pode observar impurezas abstratas da mente — medo, raiva ou paixão abstratos. Mas, com a prática e treinamento adequados, é muito fácil observar a respiração e as sensações corporais, ambas diretamente relacionadas às impurezas mentais.

A respiração e as sensações vão ajudar de duas formas. Primeiramente serão como que secretários particulares. Assim que uma negatividade surgir na mente, a respiração perderá sua normalidade; começará a gritar: “olhe, alguma coisa deu errado!”. Eu não posso repreender minha respiração; tenho que aceitar esse aviso. Da mesma forma, as sensações vão dizer que algo vai mal. Então, sendo avisados, podemos começar a observar a respiração e as sensações e, muito rapidamente, veremos que a negatividade cessa.

Esse fenômeno físico-mental é como duas faces de uma moeda. Em uma das faces, estão os pensamentos e as emoções surgindo na mente; na outra, estão a respiração e as sensações corporais. Quaisquer pensamentos ou emoções, quaisquer impurezas mentais que surjam, manifestam-se na respiração e nas sensações daquele momento. Logo, observando a respiração ou as sensações, estamos, de fato, observando as impurezas mentais. Em vez de fugirmos do problema, estamos encarando a realidade como ela é. Como resultado, veremos que essas impurezas perdem sua força; não mais nos dominam como no passado. Se persistirmos, elas finalmente desaparecerão completamente e começaremos a viver uma vida pacífica e feliz, uma vida cada vez mais livre das negatividades.

Dessa forma, essa técnica de auto-observação mostra-nos a realidade em seus dois aspectos: interior e exterior. Previamente olhávamos apenas para fora, perdendo a verdade interior. Procurávamos sempre fora de nós a causa de nossa infelicidade; sempre culpávamos e tentávamos modificar a realidade externa. Ignorantes da realidade interior, nunca entendemos que a causa do sofrimento está dentro de nós, em nossas reações cegas às sensações boas e ruins.

Agora, com o treinamento, podemos ver o outro lado da moeda. Podemos tomar consciência da respiração e também do que acontece dentro de nós. O quer que seja, respiração ou sensação, aprendemos a simplesmente observá-la sem perder o equilíbrio mental. Paramos de reagir e de multiplicar nosso sofrimento. Ao contrário, deixamos as impurezas se manifestarem e desaparecerem.

Quanto mais praticamos essa técnica, mais rapidamente as negatividades desaparecerão. Pouco a pouco, a mente tornar-se-á livre de impurezas, tornar-se-á pura. Uma mente pura é sempre cheia de amor — amor desinteressado por todos os outros; cheia de compaixão pelas falhas e sofrimentos dos outros; cheia de alegria pelo seu sucesso e felicidade; cheia de equanimidade diante de qualquer situação.

Quando alguém atinge esse estágio, todo o seu padrão de vida muda. Não é mais possível fazer ou falar qualquer coisa que perturbe a paz e a alegria dos outros. Em vez disso, uma mente equilibrada não apenas torna-se pacífica, mas a atmosfera que cerca uma tal pessoa também se tornará permeada de paz e harmonia, e isso influenciará e ajudará a outros também.

Aprendendo a permanecer equilibrado diante de todas as coisas que se experimentam dentro de si, desenvolve-se o desapego também a tudo o que se encontra nas situações exteriores. No entanto, esse desapego não é escapismo ou indiferença aos problemas do mundo. Aqueles que praticam Vipassana regularmente tornam-se mais sensíveis ao sofrimento dos outros e fazem seu máximo para aliviar tal sofrimento em tudo que podem — não com agitação, mas com a mente cheia de amor, compaixão e equanimidade. Aprendem a “santa indiferença” — como estar totalmente compromissados, totalmente envolvidos em ajudar os outros, enquanto, ao mesmo tempo, mantêm o equilíbrio mental. Dessa forma, permanecem pacíficos e felizes enquanto trabalham para a paz e a felicidade de outros.

Esse foi o ensinamento do Buda: uma arte de viver. Ele nunca estabeleceu ou ensinou nenhuma religião, nenhum “ismo”. Nunca instruiu aqueles que o procuravam a praticar qualquer rito, ou ritual, ou alguma formalidade vazia. Ao contrário, ensinava-os a observar a natureza tal como ela é, observando a realidade interior. Na ignorância continuamos a reagir de maneiras que prejudicam a nós e aos outros. Porém, quando a sabedoria surge — a sabedoria de observar a realidade como ela é — esse hábito de reagir vai embora, desaparece. Quando paramos de reagir cegamente, então, somos capazes da ação verdadeira — ação proveniente de uma mente equilibrada e equânime, uma mente que vê e compreende a verdade. Tal ação poderá ser tão somente positiva, criativa e benéfica para nós e para os outros.

Logo, o que é necessário é “conhecer-se a si mesmo” — conselho dado por todo sábio. Precisamos conhecer a nós mesmos, não apenas intelectualmente, no nível teórico e das idéias; e não apenas emocional ou devocionalmente, simplesmente aceitando cegamente o que ouvimos ou lemos. Tal conhecimento não é suficiente. Mais do que isso, precisamos conhecer a realidade experimentalmente. Precisamos experimentar diretamente a realidade desse fenômeno físico-mental. Só isso nos ajudará a libertar-nos de nosso sofrimento.

Essa experiência direta de nossa realidade interior, essa técnica de auto-observação é chamada de meditação “Vipassana”. Na língua da Índia, nos tempos do Buda, passana significava ver no sentido comum, com os olhos abertos; mas Vipassana é observar as coisas como realmente são, não como parecem ser. A realidade aparente tem de ser penetrada, até alcançarmos a verdade última de toda a estrutura física e mental. Quando experimentamos essa verdade, então, aprendemos a parar de reagir cegamente, de criar impurezas — e, naturalmente, as antigas impurezas serão gradualmente erradicadas. Tornamo-nos libertados de todo o sofrimento e experimentamos a verdadeira felicidade.

Existem três passos para o treinamento dado em um curso de meditação. Primeiramente, deve-se se abster de toda ação, física ou verbal, que perturbe a paz e a harmonia dos outros. Não se pode trabalhar para se liberar das impurezas da mente e ao mesmo tempo cometer atos físicos ou verbais que somente as multipliquem. Portanto, um código de moralidade é o primeiro passo essencial da prática. Compromete-se a não matar, não roubar, não ter má conduta sexual, não mentir e não usar intoxicantes. Abstendo-se de tais ações, permite-se que a mente se acalme o suficiente para avançar no trabalho.

O próximo passo é desenvolver alguma maestria sobre essa mente selvagem por intermédio do treinamento em mantê-la fixa em um único objeto, a respiração. Tenta-se manter a atenção na respiração o maior tempo possível. Esse não é um exercício respiratório; não se controla a respiração. Em vez disso, observa-se o fluxo respiratório como ele é; como entra e sai. Dessa maneira, acalma-se a mente mais e mais, e ela não será dominada por negatividades intensas. Ao mesmo tempo concentra-se a mente, tornando-a aguçada e penetrante, capaz de realizar o trabalho de visão clara (“insight”).

Esses dois primeiros passos, viver uma vida moral e controlar a mente, são muito benéficos e necessários por si só, mas levarão à repressão das negatividades, a não ser que se tome o terceiro passo: purificar a mente das impurezas, desenvolvendo a visão clara de sua própria natureza. Isso é Vipassana: experimentar a própria realidade pela observação sistemática e imparcial, dentro de si mesmo, de todo o fenômeno físico-mental sempre em mutação e que se manifesta como sensações. Essa é a essência dos ensinamentos do Buda: autopurificação através da auto-observação.

Isso pode ser praticado por um e por todos. Todas as pessoas enfrentam o problema do sofrimento. Essa é uma doença universal que requer um remédio universal, não-sectário. Quando alguém sofre com raiva, não é raiva budista, hindu ou cristã. Raiva é raiva. Quando alguém fica agitado em decorrência dessa raiva, essa agitação não é cristã ou judia ou muçulmana. A doença é universal. O remédio também tem de ser universal.

Vipassana é o remédio. Ninguém se oporá a um código de vida que respeita a paz e a harmonia dos outros. Ninguém pode se opor a desenvolver o controle da mente. Ninguém se oporá ao desenvolvimento da visão clara de sua própria natureza, por intermédio da qual é possível libertar a mente das negatividades. Vipassana é um caminho universal.

Observar a realidade como ela é por intermédio da observação interior — isso é conhecer-se a si mesmo direta e experimentalmente. Conforme pratica, a pessoa continua a se libertar do sofrimento das impurezas mentais. A partir da verdade aparente, grosseira, externa, pode-se penetrar a verdade última da mente e da matéria. Então, se transcende isso e experimenta-se uma verdade que está além da mente e da matéria, além do campo condicionado da relatividade: a verdade da libertação total de todas as impurezas, de todo o sofrimento. Não importa o nome que se dê à verdade última, isso é irrelevante; esse é o objetivo final de todos.

Que todos experimentem essa verdade fundamental! Que todos se libertem do sofrimento. Que todos desfrutem a verdadeira paz, a verdadeira harmonia, a verdadeira felicidade.

QUE TODOS OS SERES SEJAM FELIZES

O artigo acima é baseado em uma palestra proferida pelo Sr. S.N Goenka em Berna, Suíça.

Sua vida e sua obra:

S.N. Goenka Sr. Goenka é um professor leigo de meditação Vipassana na tradição do falecido Sayagyi U Ba Khin da Birmânia (Mianmar).

Embora seja de origem indiana, o Sr. Goenka nasceu e foi criado na Birmânia. Quando vivia na Birmânia teve a felicidade de entrar em contato com U Ba Khin e aprender a técnica de Vipassana com ele. Após ter sido treinado durante quatorze anos pelo seu professor, o senhor Goenka se estabeleceu na Í ndia e começou a lecionar Vipassana em 1969. Em um país dividido radicalmente por diferenças de casta e de religião, os cursos oferecidos pelo senhor Goenka têm atraído pessoas de todos os segmentos da sociedade. Além disso, muitas pessoas de países do mundo inteiro têm vindo freqüentar cursos de meditação Vipassana.

O Sr. Goenka tem ensinado dezenas de milhares de pessoas em mais de 300 cursos de dez dias na Índia e em outros países, no Oriente e no Ocidente. Em 1982, começou a nomear professores-assistentes para ajudá-lo a enfrentar a crescente demanda por cursos. Centros de meditação foram estabelecidos sob a sua orientação na Índia, no Canadá, nos Estados Unidos, na Nova Zelândia, na França, no Reino Unido, no Japão, no Sri Lanka, na Tailândia, em Mianmar, no Nepal e em outros países.

A técnica ensinada por S.N. Goenka representa uma tradição que remonta ao Buda. O Buda nunca ensinou uma religião sectária; ensinou Dhamma — o caminho da libertação — que é universal. Na mesma tradição, a postura do senhor Goenka é inteiramente não-sectária. Por esse motivo, seu ensinamento tem atraído pessoas de todas as origens, de todas as religiões ou sem qualquer religião, de todas as partes do mundo.

Postar um comentário

Seu endereço de e-mail não será publicando.